Reflexões sobre o movimento espírita
Abordamos em artigos e entrevistas as dificuldades e possibilidadades do atual movimento espírita.
Um fato singular
Um fato com consequências imprevisíveis
Ao tomar notícia das acusações contra a última edição da quinta obra de Allan Kardec — minha análise foi simples: mais uma polêmica inútil. Infelizmente, não poderia ter errado mais. Ao acompanhar a polêmica, para meu espanto, entendi do que se tratava: o mais grave ataque às obras do Codificador Espírita e à honra de seus continuadores jamais sofrido na história do Espiritismo. Buscava-se não apenas atacar a obra, mas a honra e a dignidade dos principais continuadores de Kardec — inclusive, sua esposa e companheira intelectual, Amelie Gabrielle Boudet; além de Léon Denis, Alexandre e Gabriel Delanne e Berthe Fropo. Aceita a acusação, as consequências seriam inevitáveis: “todos participaram da adulteração ou foram coniventes”, simplesmente porque não pode haver crime cultural público sem criminosos, apoiadores e negligentes. Nunca um ataque ao Espiritismo teria consequências tão graves.
Essa acusação, do ponto de vista de qualquer espírita sério, é gravíssima. São acusações, que se comprovadas, não apenas demonstraria a leviandade dos continuadores do Espiritismo no mundo, bem como, permitiria uma correção irresponsável da obra de Kardec sob o pretexto de duvidosas provas históricas. Isso acontece hoje.
Sem uma intervenção dos espíritas sérios e estudiosos, a deformação irreversível do Espiritismo será inevitável. Em poucos anos, teremos tantas obras “verdadeiras” da codificação quanto as fantasias dos que lutam por fama e fortuna no movimento espírita. Eles são muitos.
Em mais 160 anos de Espiritismo, todas as numerosas polêmicas que foram vividas se davam respeitando a sabedoria de Kardec e dos Espíritos superiores. Disputava-se como melhor compreendê-las. Agora, alteram-se os textos saídos da mão do codificador, acusa-se os colaboradores mais honrados, corrige-se Kardec com audácia: algo apenas possível da parte de quem perdeu a lucidez ou nunca amou a codificação.
As consequências, além do sucesso mundano dos “purificadores” de Kardec, é a deturpação perversa do Espiritismo. Não sabemos o que o Espiritismo será em poucos anos se essa obra prosseguir. Entramos em nossa hora mais escura. Apenas a firmeza inspiradora do Cristo ao expulsar do templo falsos pregadores — negociantes da revelação divina — pode nos salvar.
Os argumentos da acusação
O que mais impressiona é que, apesar de que todas as supostas evidências históricas que justificariam as acusações contra os continuadores de Kardec e a desqualificação de seus livros terem se provado serem falsas, a campanha de destruição continua. Os fatos mais surpreendentes parecem não ter valor. Observamos um esforço continuado, planejado, que envolve algumas das maiores e mais poderosas instituições espíritas do Brasil em apoiar a desfiguração do Espiritismo.
O atual processo de desfiguração das obras básicas inicia-se com a polêmica sobre a autenticidade de A Gênese publicada pela primeira vez em 1869. Essa polêmica surge quando Henri Sausse, levianamente, acusa Pierre-Gaëtan Leymarie, no ano de 1884, de ter adulterado a referida obra por ele publicada em 1872 (Ver aritgo – Se os fatos importassem – nesse site). Em resumo, três depoimentos de pessoas sérias afirmaram que o próprio Kardec tinha publicado edição revisada de 1869 com ampliações. Isso não foi suficiente para o movimento espírita brasileira aceitar a verdade. Argumentava-se que este livro de 1869 não existia. Na dúvida, acusa-se.
Em 2020, descobriu-se um exemplar deste livro em uma biblioteca suíça. Isso não foi suficiente. Encontrou-se outro documento histórico — uma carta escrita por Kardec a um editor alemão, afirmando que ele havia ampliado A Gênese e que já se podia iniciar a sua tradução para o alemão. Acredite: as acusações contra A Gênese e os continuadores de Kardec continuam.
Afirmava-se ousadamente: a de 1869 é adulterada e os continuadores, consequentemente, são irresponsáveis, levianos ou criminosos. Esse é o estado intelecto-moral de nosso movimento espírita atual.
Afirmava-se ousadamente: a de 1869 é adulterada e os continuadores, consequentemente, são irresponsáveis, levianos ou criminosos. Esse é o estado intelecto-moral de nosso movimento espírita atual.
Uma pergunta simples
Imagine que se tratasse, com o padrão das pesquisas denunciatórias, uma obra de Victor Hugo, de Adam Smith ou de qualquer outro pensador considerado sério? Certamente, a sociedade em geral ou, pelo menos, aqueles que os estudam e respeitam, reagiriam. Questionariam! Simplesmente não aceitariam acusações tão graves, fundadas em documentos coletadas e analisadas de forma tão atrapalhada. Não foi assim que agimos. Apoiamos as provas frágeis e as interpretações mal elaboradas contra a obra de Kardec e a honra de seus continuadores. O mestre dedicou mais de 12 anos de sua vida para elaborar o Espiritismo com os melhores critérios possíveis. Hoje, pesquisas apressadas, de caráter meramente especulativo, são justificativas “científicas” para desmoralizar pessoas sérias e autorizar pessoas desqualificadas intelectual e moralmente a reescrever a codificação.
As pesquisas são indispensáveis, certamente, mas a leviandade de resultados prematuros deve ser evitada. Desqualificar a edição final de A Gênese sem provas objetivas, rigorosamente avaliadas por diversos pesquisadores, qualificados e sérios, é inaceitável. Foi o que aconteceu. Gostaria de ver o currículo dos pesquisadores que tão ousadamente desqualificaram a quinta obra da codificação (a primeira de uma série, sabemos), bem como, o conselho técnico-científico que validou suas pesquisas. Não existe pesquisa social séria sem a revisão de pessoas independentes e qualificadas. As pesquisas que desqualificam A Gênese não tiveram nada disso. Demos a esses relatos de pesquisadores amadores a autoridade de desfigurar o Espiritismo. Resta uma pergunta: por que tanto descaso com Allan Kardec e com a obra do Espírito da Verdade?
Não nos cabe julgar ou condenar a ninguém. Examinamos aqui, rigorosamente, posturas e os métodos (que se apresentam como científicos) que tentam desqualificar a obra de Kardec e a lisura moral de seus fiéis continuadores. Isso deve ser trazido a luz. Não podemos em nome da caridade permitir que a obra espírita e a honra daqueles que deram a vida por ela sejam jogados na lata do lixo da história. A Humanidade perderia muito e nós, os espíritas atuais, seríamos responsabilizados por nossa consciência.
Um fato singular
Hoje, existem tantas comprovações da legitimidade da obra de Kardec publicada por ele e por sua esposa, em 1869 que será preciso um volumoso livro para expô-las todas. Todas essas evidências históricas estão facilmente disponíveis, inclusive, para o estudo acadêmico da história social e da mentalidade do atual movimento espírita e de suas instituições.
Esperamos que a Nova Geração realize uma crítica profunda de tudo o relatamos. Não avançaremos com segurança até entendermos o nível de degradação intelectual e moral no qual nos encontramos e aprendermos a sair deste escuro abismo.
Nos ocuparemos, no próximo artigo, de um fato singular: como explicar que, após todas as provas históricas, as acusações contra a obra de Kardec foram ampliadas.